sábado, setembro 29, 2012


"Verdade?"

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 Eu estava estudando para a próxima semana, que será de provas na faculdade. Então li dois textos que a Professora falou muito em sala de aula. Os textos falam sobre a ‘verdade’, ambos são de brasileiros, um é do Filosofo Hilton Japiassú e outro é do Físico/Astrônomo Marcelo Gleiser.
Os dois textos são interessantes e falam basicamente que a verdade é mais do que uma simples verdade, ou que tudo é verdade e que nada é verdade. Meio complexo de entender né?! Mas no texto eles deixam bem claro essas questões. São dois textos curtos mas interessantes.
 O texto de Hilton Japiassú tem a leitura mais complexa, acho que por causa da época que foi escrito talvez. Já o de Marcelo Gleiser, eu achei um pouco melhor para entender, talvez porque foi publicado em 2007 e a linguagem seja mais atual.
Abaixo estão os dois textos para quem quiser ler.




O PROBLEMA DA VERDADE
Hilton Japiassú

     Do ponto de vista epistemológico, nenhum ramo do saber possui a verdade. Esta não se deixa aprisionar por nenhuma construção intelectual. Uma verdade possuída não passa de um mito, de uma ilusão ou de um saber mumificado. Face à verdade, devemos padecer de profunda insegurança. É preciso que morra a ilusão do Porto Seguro.
     Por que é uma ilusão tétrica; revela uma neurose geométrica. Ao invés de vivermos das evidências e das teorias certas, como se fossemos proprietários da verdade, precisamos de viver de aproximações da certeza e da verdade. Porque somos seus pesquisadores, e não seus defensores. A este respeito torna-se imprescindível uma opção, crítica. Esta só pode surgir da incerteza das teorias estudadas.
     Se estas já fossem certas, não haveria possibilidade de se fazer uma opção. Por isso, creio ser um atentado contra o processo de maturação intelectual toda tentativa de se ministrar ou transmitir a verdade. O que precisamos fazer é relativizar as produções intelectuais e os produtores de conhecimento. Vejo como algo de extremamente saudável, fonte de saúde mental e intelectual, o gosto amargo das incertezas e a dor íntima do desamparo face a posturas intelectuais relativizadas, incapazes de se ancorarem em parâmetros, absolutos. Quem do ponto de vista do saber só pode andar de corrimão ou amparado por muletas, está despreparado para a vida. A Angústia da incerteza, o sentir-se perdido e a descoberta tão decepcionante de que nossas verdades não são a verdade, constituem parte essencial da processualidade de nossa razão, e devem acompanhar-nos até o túmulo. A processualidade do saber, quer científico quer filosófico, de forma alguma vem denegrir a ciência e a filosofia. Pelo contrário, vem reconhecer seu verdadeiro estatuto. Só se sentem denegridos os cientistas e filósofos obtusos e dogmáticos porque no fundo, não querem ver morrer seus ídolos. 
E tudo isso nada tem a ver com ceticismos. O céptico simplesmente não acredita na possibilidade de conhecimento. Aqui se trata apenas de tratar de revelar os limites do conhecimento, nunca de negar sua possibilidade.
     Se o conhecimento é uma miséria ordinária ainda assim vale como miséria. A paranóia começa quando nele se vê o reino da abundância.
                                                                 
Hilton Japiassú, questões epistemológicas - p.p 35-36



SOBRE A VERDADE
Marcelo Gleiser

Além de toda a subjetividade humana, o que é real ou não? 

O que é a verdade? O dicionário (Aurélio) nos diz que verdade é "conformidade com o real". Complicado isso, já que determinar o que é ou não "real" não é trivial. O que é real para uns, por exemplo, anjos, fadas e duendes, pode não ser para outros. 
Segundo essa definição, para determinaram o que é verdadeiro temos que conhecer bem a realidade.
E como fazer isso? Como distinguir, além da subjetividade humana, o que é real ou não? Esse é o problema, separar fato de opinião, o que é real "de verdade" do que é apenas fruto de uma visão pessoal ou de crenças de um grupo de pessoas.
Se tudo o que fazemos está ligado de um modo ou outro a quem somos, como, então, definir o que é verdade? Uma possibilidade é estabelecer categorias de verdade. No topo, ficam as verdades absolutas, que transcendem o elemento humano.
Elas independem de opinião, de afiliação partidária, de religião, de contexto histórico ou de geografia. São as verdades matemáticas, as que podem ser afirmadas categoricamente, como por exemplo: 2+2=4. 
Essa afirmação, uma vez compreendidos os símbolos, é tida como verdadeira.
Ela é verdadeira para nós, para os monges de um monastério no Tibet, para sacerdotes egípcios que viveram há quatro mil anos, ou para supostas inteligências alienígenas que existam pelo cosmo afora.
Como esta, existem muitas outras, baseadas em asserções matemáticas que dependem da percepção de objetos no mundo. Se vemos uma pedra podemos associar uma unidade a ela ("uma" pedra).
Se vemos uma podemos ver mais de uma e, com isso, construir uma aritmética. São muito úteis essas verdades matemáticas, mas menos interessantes. Não que a matemática pura seja pouco interessante, pelo contrário.
Existem complicações mesmo nela, inclusive ao nível mais elementar, algo que podemos tratar num outro domingo. Mas por serem verdades absolutas e, portanto, longe da confusa realidade humana, não dão muito espaço para a polêmica. 
A coisa fica complicada quando se discute, por exemplo, a realidade física. O Universo, ou melhor, nossa concepção dele, mudou muito nos últimos 500 anos. 
Para uma pessoa da Renascença, antes de Nicolau Copérnico (1473-1543), o cosmo era finito, com a Terra imóvel no centro. O céu, a morada de Deus, ficava além da esfera das estrelas fixas. Era ela que marcava o fim do espaço.
Após Copérnico e, principalmente, após Johannes Kepler (1571-1630) e Galileu Galilei (1564-1642) nas primeiras décadas do século 17, o Sol passou a ser o centro do cosmo e a Terra um mero planeta. 
O que era "verdade" para alguém de 1520 não era para alguém de 1650. E o universo em que vivemos hoje, gigantesco, com centenas de bilhões de galáxias se afastando uma das outras, é completamente diferente do de uma pessoa de 1650. 
Qual dessas várias cosmologias é verdadeira?
Todas e nenhuma delas. Se definimos como verdade o que construímos com o conhecimento científico que detemos num determinado momento, todas essas versões são verdadeiras. Mas nenhuma delas é a verdade. 
Dado que jamais poderemos medir com absoluta precisão todas as facetas do cosmo e da Natureza, é essencialmente impossível obter uma versão absoluta do que seja a realidade física. Consequentemente, a ciência jamais poderá encontrar a verdade.
O que podemos fazer - e o fazemos maravilhosamente bem - é usar nossa razão e nossos instrumentos para nos aproximar cada vez mais dessa verdade intangível. É essa limitação que enobrece a ciência, dando-lhe sua dimensão humana.


Marcelo Gleiser é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA) e autor do livro "A Harmonia do Mundo". Artigo publicado no caderno “Mais!” da “Folha de SP”:

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