Se você estuda Psicologia e se interessa por arte, independente de qual for, provavelmente vai gostar do assunto da sublimação. Mas esse ainda é um assunto um pouco escasso para pesquisas, principalmente quando se tem a pretensão da pesquisa em Freud – criador dessa teoria – que teve poucas teorias aprofundadas sobre a sublimação. Mas mesmo assim, não se preocupe, pois, pouco depois de Freud, Lacan aprofundou-se no assunto da sublimação, assim abrindo mais espaços para pesquisas.
Eu escrevi um artigo no começo do ano sobre o assunto com a relação da música, fiz um estudo de caso da canção Wake Me Up When September Ends do Green Day. Para quem quiser baixar o artigo completo, deixarei um link final da postagem. Vou deixar uma contribuição abaixo sobre o meu entendimento. Boa leitura!
A sublimação é um mecanismo de defesa bem-sucedido – diferente da repressão, negação, formação reativa, racionalização e projeção que são mecanismos de defesas malsucedidos – onde há uma negação dos extintos (FENICHEL, 1945). Para Fenichel (1945), a sublimação é a única defesa bem sucedida. Ela se trata de pulsões sexuais e agressivas que permite a expressão do id na arte e ciência.
Vejamos o conceito de Freud sobre pulsão em sua publicação Três Ensaios Sobre a Sexualidade, especificamente no texto I (Um) com o titulo de As Aberrações Sexuais, para assim entendermos melhor como foi conceituada a sublimação:
Por “pulsão” podemos entender, a princípio, apenas o representante psíquico de uma fonte endossomática de estimulação que flui continuamente, para diferenciá-la do “estímulo”, que é produzido por excitações isoladas vindas de fora [...] a fonte da pulsão é um processo excitatório num órgão, e seu alvo imediato consiste na supressão desse estímulo orgânico [...] a uma dessas classes de excitação designamos como a que é especificamente sexual (FREUD, 1905, p.102-103).
Sendo assim que a pulsão seja sexual, podemos pensar em que se transforma essa pulsão ou o que é feita com ela – mesmo se o que é feito seja inconsciente – e é. Essa pulsão é um veiculo da libido, que vem da necessidade fisiológica/ sexual do homem, assim direcionando-se para atividades sociais e culturais – no artigo em caso – a arte, ocorrendo a sublimação.
Podemos fazer uma analogia da libido com a fome, em questão da linguagem popular – “a fome de prazer”, “a fome de tal objetivo ser alcançado” –. Na publicação de 1905, Três Ensaios Sobre a Sexualidade, Freud nos da um conceito relacionado a essa analogia:
O fato da existência de necessidades sexuais no homem e no animal expressa-se na biologia pelo pressuposto de uma “pulsão sexual”. Segue-se nisso a analogia com a pulsão de nutrição: a fome. Falta à linguagem vulgar [no caso da pulsão sexual] uma designação equivalente à palavra “fome”; a ciência vale-se, para isso, de “libido” (FREUD, 1905, p.83).
Na sublimação, a libido – que vem do impulso sexual – é transformada em libido do ego, e assim ocorrendo uma dessexualização (FREUD, 1923).
Como ou que seria essa dessexualização? A dessexualização é uma etapa inicial da sublimação. Sendo assim podemos utilizar o exemplo que Paul Kline usa em seu livro Psicologia e Teoria Freudiana - Uma Introdução. O exemplo usado de sublimação no caso é de quando a criança está fase anal – entre 2 a 4 anos – ela gosta de manusear as próprias fezes. Assim quando ocorre a sublimação dessa fase ela é transferida para a arte da cerâmica ou pintura – e como afirma em seu livro – até na preparação do pão, quando a massa pegajosa tem que ser amassada para dar forma ao pão, assim relacionando com a fase anal ocorrida na infância (KLINE, 1988).
Freud (1930) afirma que sem a sublimação a civilização não seria possível. Se todos fossem livres e sem nenhuma restrição, não haveria o que sublimar, pois poderíamos nos expressar de forma direta.
Na publicação A Ética da Psicanálise, Lacan diz que a arte é “a elevação do objeto à dignidade de Coisa” (1959, p.140) – chamada por ele de das Ding. No caso isso seria ter o objeto como uma representação e sendo assim consciente dela (KANT, 1983). Em 1781 – na publicação Crítica da Razão Pura – Kant explica a maneira que as representações se formam:
Nosso conhecimento surge de duas fontes principais da mente, cuja primeira recebe as representações (a receptividade das impressões) e a segunda a faculdade de conhecer um objeto por estas representações (espontaneidade dos conceitos); pela primeira um objeto nos é ‘dado’, pela segunda é ‘pensado’ em relação com essa representação [...] Denominamos ‘sensibilidade’ a ‘receptividade’ de nossa mente receber representações na medida em que é afetada de algum modo; em contrapartida, denominamos ‘entendimento’ ou ‘espontaneidade’ do conhecimento a faculdade do próprio entendimento produzir representações (KANT, 1983, p.57).
Isso foi apenas uma introdução, o assunto é bem mais complexo. Fica o link abaixo do meu artigo sobre o assunto.
DOWNLOAD: SUBLIMAÇÃO NA MÚSICA - ASPECTOS ARTÍSTICOS E PSICANÁLISE
BIBLIOGRÁFICA CONSULTADA:
FENICHEL, O. A Teoria Psicanalítica da Neurose. Nova Iorque: Norton, 1945.
FREUD, S. Três Ensaios Sobre a Sexualidade. (1901-1905) In: Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Vol. VII. Rio de Janeiro: IMAGO, 1996. – A
____O Ego e o Id e Outros Trabalhos. (1923-1925) In: Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Vol. XIX. Rio de Janeiro: IMAGO, 1996 - B
____O Mal-Estar na Civilização. (1930) In: Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Vol. XXI. Rio de Janeiro: IMAGO, 1996. - C
KANT, I. Crítica da Faculdade do Juízo. (1793), Trad. Valerio Rohden; António Marques, Rio de Janeiro: Forence, 2.ed, 1995.
KLINE, P. Psicologia e Teoria Freudiana: Uma Introdução. Rio de Janeiro: Sindicato Nacional dos Editores de Livros, 1988 p.28.
LACAN, J. O Seminário 7: A Ética da Psicanálise. (1959). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, Ed. 1997.
MARTINS, L. O Fazer Artístico Para a Psicanálise. Universidade Veiga de Almeida: Rio de Janeiro, 2009.